“Meu Deus! Meu Deus! Vou portanto escrever,
enfim, o que me aconteceu! Mas poderei fazê-lo? Atrever-me-ei? Isto é tão
estranho, tão inexplicável, tão incompreensível, tão louco!
Se não tivesse a certeza do que vi, a
certeza de que não existiu nos meus raciocínios, nenhum desfalecimento, nenhum
erro nas minhas comprovações, nenhuma lacuna na série inflexível das minhas
observações, julgar-me-ia um simples alucinado, o joguete de uma estranha
visão.
Afinal, quem sabe?
Encontro-me hoje numa casa de saúde; mas
entrei voluntariamente por prudência, por medo.
Um único ser conhece a minha história. O
médico daqui. Vou escrever-lhe. Não sei lá muito bem porquê. Para me
desembaraçar disto, porque o sinto dentro de mim como um intolerável pesadelo.”
Guy de Maupassant (1850 – 1893), foi um escritor francês que
se debruçou fortemente sobre situações psicológicas e crítica social.
Escreveu romances e peças de teatro. No entanto, foi com os contos
que se notabilizou, sendo considerado a par de Tchekov como um dos melhores
contistas de todos os tempos.
Era um homem solitário, nutrindo alguma aversão à sociedade.
Viajava bastante e em cada viagem, trazia novas obras.
Dos seus romances destacam-se Bel-Ami e Pierre et Jean, sendo este último considerado por muitos como o seu melhor romance.
Dos 300 contos que escreveu, destacam-se A Pensão Tellier e O Horla.
O medo da morte atormentava-o, veio a falecer no manicómio,
pouco antes de completar os 43 anos de idade, após tentativa de suicídio, provocado
por perturbações mentais causadas pela sífilis que o atormentou por uma década.
O livro Contos do Insólito
é uma coletânea de 21 contos que têm em comum o fantástico e o sobrenatural.
Não podemos esquecer que são escritos, no século XIX, quando
se começa a falar em magnetismo, hipnotismo e a sua ligação aos fatores psíquicos
e ao paranormal. Neles o impossível alia-se ao fantástico, criando situações
insólitas em que o factor surpresa é uma constante.
Escritos num tom muito pessoal, em que o autor cria um elo
muito forte com as personagens, sendo em muitos casos o próprio protagonista da
história que desenvolve, o amigo próximo ou mesmo o médico que o assiste.
A linguagem intimista cativa-nos e leva-nos a percorrer este
mundo insólito e perturbador, conto após conto, identificando-nos, de uma forma
emotiva, com as relações de amor, ódio, perseguição ou mesmo com a presença da
morte.
Não vou fazer uma análise detalhada dos contos, uma vez que
são pequenos e acabaria por lhes retirar o factor surpresa que atinge o leitor
de rompão ao iniciar a sua leitura.
Apenas refiro que a escrita é viciante, para quem gostar do
género, e que rapidamente nos damos conta que o livro chegou ao fim e o
mistério fica no ar.
Gostei muito e recomendo a quem gostar do género