segunda-feira, 15 de junho de 2015

Caminhos….




Caminhos….

Simples, mágicos, tortuosos ou pedregosos…

Caminhamos por vezes sem dar conta, sem sentir o ar fresco da madrugada, sem sentir o cheiro a maresia ou mesmo o verde musgoso dos caminhos na serra….caminhamos apenas por caminhar… porque somos eternamente caminhantes neste mundo ou em qualquer outro lugar…

De repente, uma pedra surge no caminho e tropeçamos nela. Aos tropeções vamos bamboleantes, de encontro a um conjunto de obstáculos, soerguendo-nos com firmeza ou prostrando-nos pelo chão.

Levantamo-nos com uma força que desconhecíamos possuir, como se um pozinho mágico do caminho se infiltrasse em nós e nos alimentasse a alma. Como se uma gota de orvalho nos saciasse a sede, e nos percorresse as veias, artérias e o nosso coração fosse um órgão que bate ao som do vento e das folhas que marejam nos troncos das árvores altas.

Os nossos olhos abrem-se e vemos um mundo desconhecido à nossa frente…. Caminhamos, porque temos de caminhar…. Mas o trilho abre-se com uma luz nova, um brilho que não possuía antes e tudo é novo….

Algures os feiticeiros e duendes pintaram um mundo novo, com as cores do arco-íris e os verdes são mais verdes, o mar é mais azul, e o céu … o céu é um imenso oceano onde brilham todas as almas que nos acompanham.

Alguém nos dá a mão e sorri, não a vemos, mas sabemos que ali está, porque sentimos o seu toque e a gargalhada cristalina na nossa alma, no nosso coração. O orvalho que percorre as nossas veias leva-os pelo corpo, sentimos o seu abraço e caminhamos…. Caminhamos juntos em direcção ao arco-iris em busca do pote da vida ….

Sempre…

Porque somos eternos caminhantes….
 
 

terça-feira, 26 de maio de 2015

O Guardião de Memórias de Lois Lowry






Sinopse

"Era quase Dezembro e Jonas começava a ficar assustado."

Começa assim esta história de um rapaz que habita um mundo aparentemente ideal: um mundo sem conflitos, pobreza, desemprego, divórcio, injustiça ou fome.

Dezembro é a altura da Cerimónia anual em que cada indivíduo com doze anos recebe uma tarefa para a vida inteira, determinada pelos Anciãos. Jonas viu a sua amiga Fiona ser nomeada Encarregada dos Idosos e o seu alegre amigo Asher ser nomeado Director Assistente do Divertimento. Mas Jonas foi escolhido para algo especial. Quando a sua selecção o leva ao homem sem nome, o Dador, ele começa a descobrir os segredos profundos que sustentam a frágil perfeição do seu mundo.

Narrado com uma simplicidade ilusória, esta é a provocante história de um rapaz que experimenta algo incrível e que aceita algo impossível. Ao longo da narrativa, muitos valores que temos como certos po~em em causa as nossas mais profundas convicções.



A história de “O Guardião de memórias” passa-se numa sociedade, em que tudo está meticulosamente organizado e encaixado num modelo idílico onde a dor não existe, a dúvida não existe, as paixões não existem, enfim, nada que envolva sentimento poderá ter lugar. Tudo é cinzento pois a cor não existe.

Os bebés são gerados apenas para continuação da espécie humana, crescem ultrapassando etapas onde aprendem as normas para viver naquela sociedade até atingirem a idade dos doze anos. Nessa altura, os Doze, como são conhecidos, são colocados como aprendizes das profissões que virão a desempenhar no futuro, tendo em conta a observação que um conjunto de ansiãos vai fazendo ao longo do seu crescimento, para captarem as suas aptidões naturais.

Tudo corre na perfeição, como é de esperar, para Jonas. Na cerimónia dos Doze ele espera, com alguma curiosidade e ansiedade, para saber qual a profissão que é escolhida para ele. Vê os seus colegas serem distribuídos pelos diversos postos de trabalho da comunidade e percebe que nada sobra para ele. Por fim o grupo de anciãos nomeia-o para o ofício de guardião de memórias., um dos mais importantes cargos da comunidade. Uma escolha rara, pois apenas existe um guardião e somente ele treina o seu sucessor.

Chocado e perplexo com tal escolha, Jonas não vê a importância de tal cargo, apenas que terá de ser o aprendiz de um ancião que permaneceu afastado de toda a comunidade durante toda a sua vida. Não imagina sequer que após o primeiro encontro com o actual Guardião, a sua vida deixará de ser a mesma.

O guardião de memórias tem como função guardar todas as memórias de um povo, com o objectivo de proteger esse mesmo povo do sofrimento e da dor. Por outro lado ele, ele tem o conhecimento e a sabedoria para orientar os dirigentes da sociedade em momentos difíceis.

A pouco e pouco, pelas mãos do seu mestre Jonas descobre um mundo novo. Aprende a sensação do calor no seu rosto, a neve fria que cai, e com as sensações as coisas adquirem uma cor, descobre o vermelho ou o verde dos campos e a névoa vai-se dissipando, mostrando-lhe um mundo completamente novo.

Mas o fardo é pesado, lidar com todo este conhecimento numa sociedade que não quer sair do seu conformismo, da sua mesmice de vida igual a todos os dias… uma sociedade ditatorial, com o seu regime controlador de toda a perfeição.

A dúvida surge e Jonas começa mesmo a questionar toda a perfeição do seu mundo.

Classificado como um livro infanto-juvenil, apresenta uma escrita simples e fácil. No entanto a mensagem é bastante forte mesmo para um adulto. A leitura que ao início é simples e directa, leva-nos a questionar-nos e a pensar mais a cada capítulo que passa, ficando mesmo com a dúvida se o final é o esperado por um público juvenil.

Lois Lowry pretende alertar-nos para o nosso conformismo perante a vida. Quer abrir-nos a mente para horizontes mais vastos e que por vezes teimamos em não os querer ver.

A escrita, como já referi, é bastante simples, a acção bastante rápida, por vezes demasiadamente rápida, sem que haja desenvolvimento em pequenos detalhes que enriqueceriam mais a história.

Recomendado por uma amiga, li o livro rapidamente sem saber que havia continuação. O final deixou-me um pouco sem saber o que pensar … no entanto rapidamente percebi que este é apenas o primeiro volume de uma série de quatro livros.

Sem ser extraordinário, é um livro que se lê muito bem, agradável e que nos deixa um “sabor amargo na boca”, por vezes queremos que a nossa vida seja perfeita, e nem desfrutamos do que nos rodeia.


Edição/reimpressão: 2004
Páginas: 160
Editor: Texto Editores
ISBN: 9789724723747

terça-feira, 7 de abril de 2015

As Cidades Invísíveis de Italo Calvino



- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco .
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.
 


«As Cidades Invisíveis apresenta-se como uma série de relatos de viagem que Marco Polo faz a Kublai Kan, imperador dos tártaros. [...] A este imperador melancólico, que percebeu que o seu poder ilimitado conta pouco num mundo que caminha em direção à ruína, um viajante visionário fala de cidades impossíveis, por exemplo, uma cidade microscópica que se expande, se expande até que termina formada por muitas cidades concêntricas em expansão, uma cidade teia de aranha suspensa sobre um abismo, ou uma cidade bidimensional como Moriana. [...] Creio que o livro não evoca apenas uma ideia atemporal de cidade, mas que desenvolve, ora implícita ora explicitamente, uma discussão sobre a cidade moderna. [...] Penso ter escrito algo como um último poema de amor às cidades, quando é cada vez mais difícil vivê-las como cidades.»

Italo Calvino



 
Há muito tempo que pensava em ler As Cidades Invísíveis de Italo Calvino, mas o tempo foi passando e nunca o fiz. Talvez inconscientemente esperava a oportunidade certa para que o livro me fascinasse e me seduzisse como o fez.
 
Basicamente, a obra pode-se resumir no seguinte: Marco Polo, explorador veneziano do século XIII descreve  as suas viagens ao imperador oriental Kublai Khan (neto do Gengis Khan), nomeadamente as cidades do seu vasto império, que este não consegue visitar.
 
Durante as cerca de 170 páginas são apresentados pequenas descrições de cerca de cinquenta e cinco cidades, todas com nomes de mulher, intercaladas com diálogos entre o explorador e Kublai Khan.
 
Todas elas  desafiam as próprias leis do universo e de imediato percebemos que não são reais. Elas poderão ser apreciadas pelo leitor apenas pela sua beleza literária, pelas palavras e descrições que criam a imagem na nossa mente de um mundo especulativo.  
 
Pura fantasia envolta numa neblina alegórica, pois estas cidades não são mais do que extensões das nossas viagens interiores, transpostas para a realidade do mundo, com as suas vicissitudes e defeitos, com os encantos e encantamentos próprios dos nossos desejos.
 
De leitura rápida mas que se teima em repetir, para se degustar cada pedacinho.
 
Adorei a viagem de Marco Polo pelas cidades desse grande império que é o mundo dos sonhos e dos pensamentos.
 
 
 
 


Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. Existe um momento na vida dos imperadores que se segue ao orgulho pela imensa amplitudedos territórios que conquistamos, à melancolia e ao alívio de saber que em breve desistiremos de conhecê-los e compreendê-los, uma sensação de vazio que surge ao calar da noite com o odor dos elefantes após a chuva e das cinzas de sândalo que se resfriam nos braseiros, uma vertigem que faz estremecer os rios e a smontanhas historiadas nos fulvos dorsos dos planisférios, enrolando um depois do outro os despachos que anunciam o aniquilamento dos últimos  exércitos inimigos de derrota em derrota, e abrindo o lacre dos sinetes de reis dos quais nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas avançadas em troca de impostos anuais de metais preciosos, peles curtidas e cascos de tartarugas: é o desesperado momento em que se descobre que este império, que nos parecia a soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e sem forma, que a sua corrupção é gangrenosa demais para ser remediada pelo nosso ceptro, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros de suas prolongadas ruínas. Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino ao ponto de evitar as mordidas dos cupins.
 

As cidades e a memória
2
 
O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.

 

sexta-feira, 27 de março de 2015

Teremos Sempre Paris de Ray Bradbury




Sinopse


Nesta selecção de contos inéditos, o inimitável Ray Bradbury encanta-nos de novo com a sua prosa fluente e cantante. Imagina coisas extraordinárias e observa com especial acutilância as fraquezas humanas, as pequenas falhas de carácter. Maravilha-nos com a magia que durante anos dominou e sempre tão presente esteve na sua escrita. Seja explorando as diversas possibilidades do renascimento, seja analisando as circunstâncias que podem fazer de qualquer homem um assassino ou, uma vez mais regressando a Marte, Bradbury revela-nos um mundo a que ficamos presos.Os seus contos são eternos. Teremos Sempre Ray Bradbury.

 

 



Há muito tempo que andava para ler Ray Bradbury, mas ainda não tinha surgido a oportunidade. Dos seus inúmeros livros aquele que me veio parar às mãos foi “Teremos sempre Paris” talvez porque é um livro de contos.

Confesso que não estava à espera do que li. Esperava algo mais ligado à FC, uma distopia, contos passados em um planeta distante ou algo diferente pois são estes, normalmente os temas dos seus livros.

Muito bens escritos, os contos curtos de “Teremos sempre Paris” são bastante diferentes, o que faz com que nos identifiquemos mais com alguns e não gostemos tanto de outros.

No entanto ao longo das páginas deste livro encontramos pequenas histórias (no total de 22) que nos apresentam retractos sociais, detalhes do quotidiano aliados a uma fantasia que por vezes chaga a ser bastante subtil.

Segundo o próprio autor refere, na introdução, estes contos foram escritos ao longo da sua vida. Este facto é notório porque de certa forma se vê reflectidos a vivência mais ou menos acentuada do autor, na diversidade dos temas abordados.

Uma obra muito social, muito sobre a natureza da mente humana, dos seus dramas e da sociedade. Em muitos contos encontramos o reflexo da sociedade, tão hipócrita e tão desumana na vida dos personagens, simples cidadãos. É nesta divergência e por vezes incompatibilidade que Bradbury explora, e muito bem, as fraquezas humanas, as falhas de caracter que podem transformar um qualquer cidadão num eminente assassino.

Se fiquei surpreendida ao ler este livro, porque esperava algo diferente, não significa que não tenha gostado do que li.

Gostei, e de alguns contos posso afirmar que gostei bastante, porque mesmo nestas histórias, que poderão ocorrer a qualquer momento com as pessoas com quem cruzamos diariamente, existe uma certa “magia” que as envolve numa ambiência que me parece muito típica da escrita de Ray Bradbury.

Locais estranhos, ruas e campos que não levam a lado nenhum e que provavelmente são apenas extensões da mente humana.

Parecem, por vezes, pequenos momentos de reflexão, momentos de observação sobre o que nos rodeia, as pessoas que se cruzam nas ruas, em que o autor captou a imagem e lhe deu o seu toque muito pessoal, transpondo-a para o papel, revelando-se em praticamente todos eles uma certa sátira à sociedade em que vivemos.

Sem ser um livro excelente é uma agradável leitura para quem goste de contos do quotidiano com uma leve dose de “loucura”, é claro.
 
 
Edição/reimpressão: 2014
Páginas: 192
Editor: Bizâncio
ISBN: 9789725305478

 

sexta-feira, 20 de março de 2015

"Espada que sangra" de Nuno Ferreira


Sinopse
"A palavra dos homens teve muito crédito, em tempos idos. Mas quando a soberba e a sede de poder e glória moldam o comportamento humano, a mentira torna-se um instrumento para pentear as suas próprias fraquezas." 

Espada Que Sangra é o primeiro volume de Histórias Vermelhas de Zallar, um delicioso cocktail de fantasia, intriga, mistério, suspense, erotismo, aventura e ação, passado num mundo fantástico de civilizações que nos apaixonam a cada página. Zallar é um mundo complexo, onde três continentes lutam arduamente pela sua sobrevivência. No Velho Continente existe uma terra almejada há milénios, desde os tempos em que os medonhos Homens Demónio dominavam a região: Terra Parda, onde as cidades-estado são chamadas de espadas e um minério conhecido por tormento negro tornou possível a existência de armas de fogo. Hoje, são os descendentes dos extintos Homens Demónio quem ameaça as fronteiras desta terra próspera em vegetação, savanas e desertos - os malévolos mahlan. A Guerra Mahlan está prestes a atingir o seu ápice, e agora, tudo pode acontecer. Mas Lazard Ezzila e Ameril Hymadher, reis das principais fortalezas de Terra Parda que viveram um intenso romance na sua juventude, vão perceber de uma forma perturbadoramente selvagem que os seus maiores inimigos podem viver consigo ou partilharem dos seus próprios lençóis




Opinião

Dono de um vocabulário invejável Nuno Ferreira, presenteou o mercado português, no ano passado, com a sua primeira obra “Espada que sangra”, um livro que nos transporta para um mundo ficcional onde nasce a primeira semente das Histórias Vermelhas de Zallar.

Numa primeira parte, é-nos relatada a sua história. A criação destas terras quentes, os seus povos, os deuses e demónios que lutaram pelos seus territórios, os sobreviventes e os seus descendentes. Pouco depois, pela mão dos personagens vamos entrando em Zallar, na Terra Parda e nas cortes de Lazard Ezzila e Ameril Hymadher.

Um mundo de intrigas e guerras onde o poder é o principal soberano.

Ao lermos o seu livro, vemos que o autor bebeu de muitas fontes, pois existem alguns traços que poderíamos identificar com outros autores. No entanto, estes desvanecem-se rapidamente levando-nos de volta ao mundo muito próprio e único de Zallar.

A leitura é muito agradável. A escrita se por um lado é simples e concisa, por outro é riquíssima em vocabulário, criando o suspense e o entusiasmo em cada virar de página.

Um conjunto de sentidos que explodem nas descrições, as personagens e os ambientes são descritos minuciosamente, desde o tom da cor da pele, à textura das roupas, ao gume afiado da espada e mesmo ao frio do mármore que reveste as paredes.

Aqui surge uma das críticas que coloco ao autor, uma crítica muito pessoal que funciona apenas para o meu gosto em termos literários. Eu gosto de deixar a minha mente voar um pouco sobre as páginas que leio e neste caso, com a minúcia das descrições, há muito pouco que fica disponível à nossa imaginação.

É pena que não tenha sido feita uma revisão mais cuidadosa em termos do texto. Existem algumas “gralhas” linguísticas que poderão afastar alguns leitores, pois por vezes podem quebrar o ritmo de leitura para aqueles que sejam mais observadores e mais rigorosos. Mas penso que esta questão poderá ser ultrapassada com o próximo volume.

É com muita curiosidade que fico a aguardar a saída do próximo volume das Histórias Vermelhas de Zallar que segundo o site oficial do autor se chamará “Garras Gélidas”.

No seu site, Nuno Ferreira fala-nos de todo o mundo que criou, alargando o nosso horizonte e despertando-nos a curiosidade cada vez mais.  Pode ser consultado aqui


Edição/reimpressão: 2014
Páginas: 676
Editor: Chiado Editora
ISBN: 9789895117369
Coleção: Mundo Fantástico

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O Verdadeiro Dr. Fausto de Michael Swanwick




Sinopse

A lenda diz que Fausto vendeu a alma ao Diabo em troca de conhecimento ilimitado. Nesta brilhante subversão do mito faustiano por Michael Swanwick, Fausto está em guerra com Deus por ocultar dos humanos o sentido da vida, e deixa-se tentar pelo demónio sedutor que lhe oferece os segredos do voo e do cosmos, os princípios da economia e engenharia, os mistérios da medicina e do átomo.
Assim se inicia a transição de Fausto de louco a salvador, ao acelerar o progresso humano e precipitar uma nova era de mecanização centenas de anos antes do seu tempo. Mas é então que surge Margaret Reinhardt, e o amor monta uma armadilha a Fausto. Conseguirá o seu amor por Margaret sobreviver incólume à brutalidade e ganância de um mundo que caminha rapidamente para o caos… ou algo pior?





Um pouco de história….

O Dr. Fausto é uma personagem que virou lenda no mundo literário. Desde há muitos séculos que tem vindo a povoar as páginas de vários escritores. “Pensa-se”que ele terá “nascido” na Alemanha, mais precisamente em Würtemberg, entre 1480 e 1500 e que depois de anos de vida errante terá morrido em Breisgau.

Já muito se falava sobre Fausto, quando em 1587, Johann Spiess, escreveu a primeira narrativa sobre a sua vida “Historia von dr. Johann Fausten”. Num volume de 227 páginas o escritor apresentava ao mundo o homem que vendia a alma ao Diabo em troca de bens terrestres e da vivência de extraordinárias aventuras.

Pouco tempo depois, Christopher Marlowe, escritor e dramaturgo inglês, apresenta Fausto numa peça de teatro “A Trágica História do Dr. Fausto”, onde tenta, segundo alguns comentadores, retractar o novo espirito do homem da época, dividido entre a religiosidade medieval e o humanismo renascentista.

Fausto surge como o homem cansado da obscuridade cientifica da época medieval, e quando encontra Mefistófeles, o demónio, não hesita em assinar um pacto com ele. Neste, Fausto está disposto a trocar a sua alma pelos desejos e conhecimento. Mefistófeles não entende a mente humana, mas aceita devolver-lhe a juventude, o conhecimento e mesmo o amor através da doce Gretchen.

No entanto foi pelas palavras de Goethe que a tragédia de Fausto ficou internacionalmente conhecida. Este escritor dedicou-lhe grande parte da sua vida, mas só algum tempo após a sua morte é que o esboço “Urfaust” foi publicado, mais precisamente em 1887.

A lenda sobre a sua vida e o seu pacto demoníaco terá inspirado várias gerações, atingindo o seu auge no período romântico.

Muitos escritores perceberam que Fausto era um manancial para explorar temas mais profundos e filosóficos da literatura e muitos escreveram sobre os seus dilemas imateriais. Não vou aqui debruçar-me sobre todos eles, apenas destaco “Doktor Faustus” de Thomas Mann, publicado em 1947, em que o autor centra a sua obra sobre a discórdia do espírito, da mente e da vida real,


Opinião…

Pois bem, já me alonguei um pouco, mas achei curioso partilhar convosco este pequeno texto histórico - Fausto através dos tempos. Mais do que uma mera personagem de uma lenda alemã ele encarnou durante cinco séculos as dúvidas existenciais do ser humano, o bem e o mal, o valor do divino, a busca da verdade que existe desde os princípios dos tempos.

Michael Swanwick, rendido à personagem, presenteia-nos com um Fausto insatisfeito, que logo de início se questiona sobre o conhecimento que almejara e que de momento nada significa, não o convence. Queima praticamente todos os seus livros, sendo salvo pelo seu fiel discípulo Wagner, é considerado como louco pelos seus conterrâneos e durante um ataque de febre que o deixa completamente inconsciente, ele recebe a ajuda que tanto almejara.

Alguém oferece-lhe uma visão inesquecível sobre o universo e um inesgotável conhecimento. Finalmente a alma sedenta de Fausto encontra um reflexo naqueles seres que o abordam, aceitando um pacto com eles. No entanto, em qualquer pacto há sempre o outro lado e quando questionados sobre o que pretendem em troca, é-lhe mostrada uma visão horrenda do fim da humanidade, da destruição da raça humana provocada pelo próprio ser humano.

O conhecimento que lhe vai sendo transmitido, tem um propósito bem definido, é que este seja aplicado no desenvolvimento massivo de armamento, de material bélico, que possa conduzir ao fim desejado por aqueles que visitam Fausto, a destruição da raça humana, raça insignificante perante a vastidão do Universo.

Ao despertar da sua doença, Fausto começa uma nova vida, e como prometido é-lhe transmitido o conhecimento que lhe permite desenvolver novas teorias e conceitos da física e da matemática, inovando a tecnologia e provocando uma verdadeira revolução industrial em pleno século XV.

Desde sempre as dúvidas existenciais contrabalançam com a sede de conhecimento. Quem ganhará esta luta interna de Fausto? Não vos vou dizer como é óbvio….

Muito bem escrito, Swanwick leva-nos através do tempo, pela Europa fustigada de crenças religiosas e castradoras. Numa linguagem clara, muito longe, na minha opinião é claro, dos outros Faustos literários que foram surgindo, o autor foca de igual forma as questões de bem e do mal.
Até onde a crença no divino atrofia o desenvolvimento científico, ou mesmo nos responsabiliza pelas andanças dos demónios interiores?

As personagens estão bem desenvolvidas, sendo que todo o livro desenvolve-se à volta de Fausto, Wagner e o inseparável Mefistófeles. Margaret ganha um papel de destaque para o final, revelando uma verdadeira lutadora pela emancipação feminina.

Apenas quero referir que uma verdadeira revolução industrial e tecnológica em pleno século XV conduziria a situações ( a meu ver é claro) verdadeiramente catastróficas. O autor apresenta com muita ligeireza esta situação, a própria igreja tem um papel muito passivo, e este é para mim o ponto menos conseguido na obra.

 
Nome: O Verdadeiro Dr. Fausto
Autor: Michael Swanwick
Ano: 1997
Género: Fantasia
Editora: Saída de Emergência
Páginas: 269

 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Um céu nublado de Pedro Cipriano

Um conto pequeno, escrito de uma forma simples, mas que nos mostra uma imagem de uma época e de uma cidade que já não existe na realidade, mas qe ainda é bastante recente nas nossas lembranças.
 
Impossível esquecer esses tempos de guerra...
 
Por outro lado, uma imagem bem real, a procura lá fora  nos estudos ou de um trabalho que já não existe no nosso país. O "salto" de novo, a procura e o desencanto de quem cá fica.
 
Simples mas bem escrito. Gostei bastante.
 
Pode ser lido no blogue do escritor: "Chá de Domingo"
 
 
 
 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Dois anos de existência, uma pequena oferta

Faz hoje dois anos que este espaço foi criado. 

Dos objectivos iniciais, muito foi concretizado, mas o tempo passa e vai trazendo novas aventuras. 

As ideias vão-se dispersando como que levadas pelo vento que sopra do norte...e vão surgindo novos sons, novas cores que se vão transformando em mensagens que vou partilhando convosco.

O gosto pela leitura é uma constante e será sempre a linha condutora que me une a todos os meus visitantes, ou quase todos, e é igualmente a face mais exposta do blog.

Não vou falar muito sobre o tempo que passou, apenas quero agradecer todo o apoio e a amizade de quem me visita regularmente e deixa as suas mensagens, ou apenas a visita de quem lê e sai agradado. Espero contribuir para incentivar o gosto pela leitura e pela divulgação de alguns autores, uns mais conhecidos outros menos, através das minhas opiniões. 

Deixo-vos uma prendinha.....

Deixo-vos um conto popular chinês, sobre a criação do mundo, uma história engraçada. Espero que gostem ....




GUMIYA, O CRIADOR 

Dizem que nos tempos de antigamente, o céu e a terra não existiam e que também não havia nem plantas nem homens. Tudo era escuridão e só havia nuvens. Ora aconteceu então que o grande mágico, um gigante chamado Gumiya e os seus doze filhos resolveram criar o mundo e pôr nele muitas coisas. Sem perder tempo, começaram a procurar materiais para criar esse mundo.

Naquele tempo havia um rinoceronte, que era amigo e companheiro das nuvens, que costumava passear com elas pelo universo.

Quando Gumiya descobriu o rinoceronte, obrigou-o a sair do seu esconderijo, arrancou-lhe a pele e fez com ela o céu e depois juntou as nuvens mais bonitas, e fez delas roupas para o cobrir. Dos olhos do rinoceronte, fez estrelas e pô-las a brilhar lá no céu. Com a carne do animal, criou a terra; com os ossos, as pedras; com o sangue, a água e com os cabelos dele, fez várias espécies de árvores, de arbustos, de ervas e de flores. Depois, agarrou no cérebro do rinoceronte e dele fez um homem e uma mulher. Da medula dos ossos, criou todas as espécies de aves, animais selvagens, répteis e peixes.

Gumiya lançou o céu para o espaço, mas não o conseguiu segurar bem e tinha, por isso, medo de que pudesse vir a cair. Debaixo dele suspendeu a terra, mas também não tinha nada com que a sustentar. Com receio de que, de repente, tudo isto se pudesse soltar, então ele, como era muito esperto, descobriu uma maneira de resolver o problema. Transformou as pernas do rinoceronte em quatro pilares e pôs cada um deles nos quatro cantos do céu, a norte, a sul, a leste e a oeste. Depois, Gumiya apanhou uma enorme tartaruga e colocou a terra às suas costas. A tartaruga, no entanto, não estava disposta a fazer isto e pensava sempre numa maneira de escapar. Um seu ligeiro movimento fazia abanar a terra toda. Então para a vigiar, Gumiya escolheu o mais fiel dos seus galos de ouro para a guardar e para não a deixar fugir. Quando a tartaruga se mexia, o galo dava-lhe bicadas nos olhos. Mas, às vezes, quando o galo estava cansado e fechava os olhos, a tartaruga mexia-se um pouco e isso provocava logo um grande tremor de terra. Ainda agora, quando a terra treme, o povo lança logo arroz para o chão e assim o galo acorda para comer e mantêm-se portanto de guarda.

Foi assim que o céu e a terra ficaram firmes e nesse tempo, nuvens muito bonitas andavam pelo céu e duas estrelas brilhavam com um brilho resplandecente. Na terra, cá em baixo, o povo fazia a sua vida normal, todos os dias. As aves voavam pelos céus, as abelhas chupavam o néctar das muitas flores que havia por todo o lado, os veados brincavam no alto das colinas e os peixes divertiam-se nos rios e nos lagos.

Gumiya e os seus filhos estavam contentes, ao verem aquele mundo, tão bonito e tão grande.

Mas, a desgraça aconteceu! Os nove irmãos-sol e as nove irmãs-Lua, que estavam de mal com Gumiya, começaram a ter inveja do sucesso dele e puseram-se a tentar destruir o maravilhoso mundo que ele criara. Juntando as suas forças, lançaram raios de calor sobre a terra, num esforço para queimar tudo.

As lindas nuvens desvaneceram-se e as estrelas brilhantes perderam o brilho. A terra secou e abriu fendas, as colheitas destruíram-se por falta de riqueza da terra, as flores, as ervas e as árvores murcharam e até as pedras se derreteram com o calor. O calor dos vários sois foi tão forte que queimou a cabeça dos caranguejos, as patas das cobras, os rabos das rãs, e as línguas dos peixes e é por isso que hoje os caranguejos não têm cabeça, as cobras não têm patas, as rãs não têm rabo e os peixes não têm língua.

O calor era tanto que Gumiya, para poder sair de casa, pôs cera na sua sombrinha de bambu, para assim se proteger. Mas o sol fez derreter a cera e esta caiu-lhe nos olhos e ele ficou, pois, com eles ardendo. Furioso, jurou:

- Eu não me chamo Gumiya, o criador do céu e da terra, se não for capaz de vos destruir, ó luas e sois!

Foi até à floresta, cortou uma árvore e fez um arco. Depois procurou, até encontrar um vime muito forte para fazer a corda para o arco e um bambu que fosse suficientemente duro para fazer as flechas. Mergulhou depois as pontas das flechas na água do Lago do Dragão, que era uma água venenosa e quando já tinha arco e flechas prontos, Gumiya, passando por lugares onde as pedras eram tão quentes como carvões em brasa e por rios cujas águas pareciam estar fervendo, com o corpo todo molhado de suor, de tal forma que até parecia que andava na chuva, subiu até o ponto mais alto da montanha.

Os nove irmãos-sol e as nove irmãs-lua sentiram-se orgulhosos e lançavam para a terra faíscas que queimavam tudo. Indignado e furioso, Gumiya olhou para eles, lá do alto da montanha. Ignorando o cansaço e o suor que corria por ele abaixo, pôs uma flecha no arco, retesou-o bem e apontou para um dos sois. Ouviu-se, então, um barulho enorme como se fosse um trovão, que abanou toda a terra. O sol, cuspindo fogo, caiu cá em baixo no sopé da montanha. O s oito sóis e as nove luas ficaram então ainda mais raivosos do que já estavam e, resolvidos a queimar por completo toda a terra, juntaram-se para atacar Gumiya, com intenção de fazer dele a primeira vítima. Mas arremessando flechas atrás de flechas, ele ia destruindo, um a um, os vários sóis e luas. Do céu jorrou, então, sangue dos sóis e luas feridos, e a partir daí a terra começou a esfriar. As searas, as ervas e as árvores voltaram à vida e as flores voltaram a aparecer. O sangue dos sóis e das luas caiu na terra, nas folhas das árvores, nas flores e nos pés dos faisões brancos e é por isso que tudo isto ficou vermelho.

No céu ficou apenas um sol e uma lua, que quando viram os seus irmãos e irmãs serem mortos, ficaram com muito medo e tentaram fugir.

Gumiya estava já muito cansado e sem força nos braços, mas a sua fúria ainda não tinha esfriado. A custo, pôs a décima sétima flecha no arco e atirou-a contra a última das luas. Como ele já estava fraco e como a lua estava fugindo, não conseguiu acertar nela. Mas apesar de ter falhado, a flecha passou tão perto dela que, com o susto, ela perdeu todo o calor que tinha. Esfriou tanto que ficou branca como a neve e nunca mais voltou a aquecer. E assim, um sol e uma lua escaparam às flechas de Gumiya, mas ficaram com tanto medo que fugiram para bem longe e nunca mais se atreveram a aparecer por perto.

Sem sol nem lua, a terra esfriou muito e ficou às escuras. Deixou de haver noite e dia, os rios deixaram de correr para a foz e as folhas deixaram de oscilar ao sabor do vento. Os homens para lavrar a terra, tinham de pôr lanternas nos chifres dos bois e tinham de usar bambus de ouro quando andavam na rua, para não caírem. Como é que seria possível sobreviver com um tal frio e escuridão.

Gumiya decidiu, então, ir procurar o sol e a lua e pedir-lhes que regressassem e que, de novo, voltassem a aquecer e a iluminar a terra. E por isso, mandou uma andorinha ir ver onde é que eles se tinham escondido.

Passados alguns dias, a andorinha voltou e disse para Gumiya:

- O sol e a lua estão escondidos numa caverna que fica na extremidade leste do céu.

Então Gumiya convocou uma reunião com todos os animais para discutir este assunto, ou seja, para discutir com eles se estavam ou não de acordo em convidar o sol e a lua a regressar. Todos concordaram com esta proposta e dispuseram-se a ir até ao leste, apesar de todas as possíveis dificuldades por que tivessem de passar, para lhes irem fazer tal convite.

Com muito entusiamo, os animais puseram-se em marcha para ir ter com o sol e a lua e convidá-los a voltar. À frente do grupo iam as andorinhas, que eram seguidas logo pelos pirilampos, que iluminavam o caminho. O galo, pela sua voz sonora, comandava todos os animais que iam voando. O javali, que era o mais forte e corajoso dos animais, dirigia todos os que iam caminhando. Gumiya não foi com eles, já que o sol e a lua tinham medo dele.

Enquanto estiveram escondidos na caverna, o sol e a lua casaram-se, mas andavam muito preocupados, pois sabiam que se passassem o tempo todo, dia e noite, ali escondidos na caverna, morreriam à fome e com falta de ar puro. Eles bem que queriam regressar à sua bonita terra, mas tinham medo que Gumiya lhes atirasse alguma flecha e os matasse. E enquanto assim pensavam, abraçavam-se um ao outro e choravam. Precisamente nessa altura, quando julgavam que não havia futuro para as suas vidas, ouviram um grande barulho, que vinha lá de fora da caverna onde eles estavam. Ficaram ainda mais assustados e fugiram para um canto da gruta e nem se atreviam a respirar, com medo de que os descobrissem.

Quando todos os animais, que os iam convidar a regressar à terra, chegaram à entrada da caverna, começaram a chamar por eles para que viessem cá fora. Mas, lá de dentro, ninguém respondia. O galo pediu a todos silêncio, ele agitou as suas bonitas penas, esticou o pescoço e com o seu lindo cacarejar, disse:

Ó brilhante sol, por favor vem cá.
Ó lua da noite, depressa sai lá.
Depressa! Sem a vossa luz e calor,
A vida para nós, é só dor.

A voz do galo parecia tão sincera e era tão bonita, tão meiga e suave que a lua e o sol, pondo de lado o medo, responderam:

Sem comida, sem ar, aqui queremos morrer;
A vingança de Gumiya não queremos sofrer!
E mais, se fora estivermos;
De comer também não teremos.

Ao ouvir isto, os animais cantaram em coro:

Gumiya pede-vos que regresseis,
Ele não vos matará;
Sua filha Shafeima, sempre vos dará,
A comida, à hora que quereis.

O sol e a lua não podiam acreditar assim tão facilmente que Gumiya lhes pudesse já ter perdoado pelo que acontecera e por isso tinham medo de sair da gruta. Os animais tentaram mais uma vez convencê-los a sair, mas eles não se atreveram a isso. Por fim o galo propôs-lhes o seguinte:

- Vamos combinar o seguinte: a partir de agora, vocês saem, só quando eu vos chamar. Se eu não o fizer, então vocês não saem.

E para que eles pudessem confiar nas suas palavras, o galo partiu um pau ao meio, como é costume fazer quando se faz um acordo entre duas partes, lançou metade para dentro da caverna e ele ficou com a outra metade, que pôs na cabeça. É por isso que, a partir desta data é o galo quem passou a ter uma crista e é também por isso que é ele quem sempre se responsabiliza em acordar o sol, pela madrugada e se alguma vez ele se esquecesse de o fazer, então o dono costuma matá-lo.

Shafeima, todos os dias, tinha de levar comida ao sol e á lua. De manhã ela assumia a forma de uma encantadora moça; ao meio-dia, a de uma jovem cheia de vida e saúde; e, á noite, a de uma velha de cabelo grisalho. Ao sol, ela dava ouro derretido e à lua, dava-lhe prata também derretida.

De acordo com o desejo de Gumiya, pediram todos ao sol que saísse durante o dia e à lua para que saísse durante a noite. Ficaria ainda combinado que eles se poderiam encontrar na caverna no primeiro e no último dia de cada mês. Ficou decidido que o sol viria para a rua durante o dia, já que ele era tímido e tinha medo do escuro. Além disso, como ele era também muito envergonhado, a lua deu-lhe algumas agulhas e disse-lhe que se alguma vez alguém se pusesse a olhar para ele, então, ele poderia apontar para os olhos dessa pessoa uma das agulhas, obrigando-a assim a fechar os olhos.

Por fim, tudo ficou combinado e o sol e a lua iam para sair. Mas a entrada da gruta estava fechada com uma grande pedra. Os todos animais, tentaram removê-la dali, mas não conseguiram. Então o javali, abanando as suas grandes orelhas, disse:

- Saíam daí! Deixem-me tentar agora a mim.

Com um safanão, a pedra deslocou-se para um dos lados.

O sol saiu primeiro e logo a seguir saiu a lua e assim começou a distinguir-se o dia da noite. Todos, na terra, podiam agora gozar da luz e do calor. Quando o sol brilhou no alto da montanha, todos os animais exultaram de alegria. Quando a sua luz penetrou nas florestas, todas as aves começaram a cantar. Ao refletir-se nas águas, todos os peixes nadaram e saltaram com alegria. Os velhos puseram-se a arranjar os arados, as velhas puseram-se a fiar, os rapazes foram para os campos, trabalhar; as moças foram para as montanhas apanhar lenha e os mais novos levaram o gado para a pastagem. E a partir de agora, quando os raios da lua iluminavam a noite com a sua luz prateada, os velhos contavam as suas histórias e quando os seus raios iluminavam os campos, as crianças brincavam alegremente, enquanto os jovens tocavam flauta e alaúde.

Todos estavam alegres e contentes. E depois disto, o mundo tornou-se ainda mais belo do que já era.


do livro: "O Tocador da Flauta Celestial e outros contos" 
Contos Populares Chineses - selecção de Zhao Yanyi 
Landy Editora, 2000

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Como foi 2014...





2014 foi um ano diferente em muitos aspectos.

Muita coisa aconteceu, umas boas outras menos boas, mas a vida é mesmo assim e há que aprender com as mensagens que ela teima em nos transmitir.

Fazer um balanço é sempre complicado para mim, sobretudo quando não cumpri com os propósitos que tracei para este espaço. Mas agora interessa olhar para a frente e por isso aqui vai...

Quanto a leituras, não foram muitas, mas descobri autores fantásticos e livros que apreciei bastante (excelentes recomendações dos amigos).

Fazendo uma retrospectiva, comecei o ano com um livro bastante invulgar, mas que recomendei e torno a recomendar, pois é fascinante, falo de "A caverna das ideias" de José Carlos Somoza.

Descobri autores novos, para além do já citado anteriormente Christopher Priest, Patricia Anthony, Keith Roberts, Frank Herbet e Brian Aldiss.

Há autores que são sempre agradáveis de ler os seus livros, e todos os anos tento ler mais um, entre eles, neste ano, foram: Haruki Murakami com o seu "1Q84",  Arturo Perez-Reverte  com a  "A Tábua de Flandres" ,  e Neil Gaiman com "Fragile Things" 

Também continuei a apostar em ler alguns autores nacionais que têm divulgado os seus contos/ obras pela internet, como foi o caso de Carlos Silva, Carina Portugal, Pedro Cipriano e Manuel Alves.

Foi um ano que participei como leitora beta em duas publicações, agradeço aos autores Pedro Cipriano com "O Caderno vermelho" e  ao Manuel Alves com  " Wulfric" a confiança, foi muito bom.

Os contos não podiam deixar de estar presentes. 

Sendo o conto meu género literário favorito, apostei em autores que já conhecia, mas também em outros que me eram totalmente desconhecidos como foi o caso de Alice Munro (prémio nobel da literatura de 2013). Li "Os sete mensageiros"de Dino Buzzati, reli o "Não há como escapar" e os "Contos do Mundo" de Tim Bowley, contos de Haruki Murakami e Nikolai Gogol, e várias colectâneas, das quais destaco "Contos Fantásticos do século XIX" do Italo Calvino.

Este ano foi muito importante para mim, pois iniciei a minha actividade como contadora de histórias, um sonho antigo que ganhou forma no Natal de 2013 e que continuou e foi criando as suas raízes durante este ano. Por isso, também foi um ano de muita pesquisa e muita leitura de contos quer para um publico infantil, quer para o publico adulto.

Também destaco aqui, o convite feito pelo amigo Fiacha para colaborar no blog dele http://leiturasdofiachaocorvonegro.blogspot.pt/  que aceitei de bom grado e no qual tenho comentado quer alguns livros que vou lendo (comentários esses que são publicados em simultâneo nos dois blogues) quer temas de reflexão, nomeadamente "O conto fantástico do século XIX e início do século XX" 

Tenho um conjunto de comentários que irei ainda publicar, relativos a 2014, peço a vossa compreensão para estes atrasos.

Falta escolher o melhor do ano, questionam vocês.... pois é complicado escolher ... mas arrisco-me a escolher Dino Buzzati como o melhor de 2014, pelos vários contos, pela sua escrita, porque simplesmente me cativou...


Objectivos para 2015 

é melhor não os fazer .... pelo menos muito programados.

É claro que tenho um conjunto de livros que programo ler, nomeadamente terminar a saga de "Helliconia" do Brian Aldiss, alguns clássicos como "A obra ao negro” de Marguerite Yourcenar. Quero ler mais de Ursula K. Le Guin.   Muitos, muitos  contos ...

Irei começar o ano com autores portugueses: Nuno Ferreira com o seu livro "A Espada que Sangra" 1º volume das "Histórias Vermelhas de Zallar"em formato papel e "A Cativa" de Manuel Alves em formato digital.

Quero também criar um espaço, aqui no blog, para contos lendas e outros ... já falei anteriormente nesta questão, mas o que é certo é que não dei continuidade, mas é mesmo um dos objectivos de 2015.

e mais?

depois vocês vão vendo e acompanhando por aqui...

Muito obrigada a todos os que acompanham este espaço e os votos de um 2015 calminho, suave e muito feliz